Geeks, gadgets e pensamento de esquerda.

Se fosse pra citar o acontecimento mais relevante para o desenvolvimento humano que aconteceu nas últimas décadas, garanto que muita gente traria a “internet” na ponta da língua.

E isso não seria espanto. A pouco as TIC´s (Tecnologias de Informação e Comunicação) se instalaram entre nós e já somos levados a constantemente utilizá-las e, vez ou outra, pensar sobre suas as influências e reflexos no caminhar do nosso desenvolvimento em sociedade.

Em certa medida, a internet e seus canais vieram celebrar o poder da mídia, e aquilo que ela já havia se mostrado eficiente. As novas maneiras de comunicação agora, providenciam o conforto do indivíduo. Este se mantém “conectado” ao que acontece com sua aldeia global sem sair de sua casa ou tempo, e o que é mais fundamental, seguro por estar na “extencionalidade” da rede.

É nesse tipo de efeito que se torna possível ver o quanto tais tecnologias e suas performances são usadas em benefício do próprio sistema que a compôs.

Mais isso tudo ainda é muito geral, não?

O que a vida contemporânea e globalizada, cada vez mais permeada por esses mecanismos de comunicação, nos induz a pensar, agora de maneira mais profunda, é sobre o uso dessas novas tecnologias, trazendo uma fresta para a análise do seu alcance político (entendendo este último como parte da dimensão comunicativa e representação de interesses) em meio a um mundo onde o fluxo de informações é intenso e extenso e que até então vive recorrendo às dicotomias categorizadas pela “esquerda” ou “direita” para legitimar teorias, principalmente no que diz respeito a sociabilidade e suas veias econômicas.

As TICS chegaram num tempo em que, mesmo num mundo varrido por planos governamentais democráticos, concepções classistas ainda se fazem sentir. O que promovem nesse mesmo sentido, e cada vez mais, é a interação entre realidades diferentes.

Em paralelo a esse papo todo, (que não deixa de levar em conta a cultura, uma vez que esta é o pano de fundo da dimensão comunicativa e política) vários teóricos, analistas e pesquisadores do desenvolvimento político hoje lançam seus olhares sobre a “sociedade em rede” e trazem na maioria das vezes junto dessas análises, questionamentos que se referem ao panorama político, social e econômico da sociedade contemporânea. Assim, em paralelo com as análises clássicas das sociedades de classes, quais seriam as características e competências de uma “nova esquerda” em um mundo em que cada vez mais se faz e se reforça sob o plano do indivíduo e a maneira rápida e, eficiente ou não, que este indivíduo lida com aquilo que o cerca?

Meszáros e Ianni são dois autores que nos envolvem nessa discussão e nos permiti fazer resgates reflexivos de outros teóricos a partir de suas observações e orientações. O que autores como esses dois põem como componente de suas pautas?

R. A informação contemporânea, e igualmente seus meios de transmissão, como mecanismos utilizados no processo de modelagem do indivíduo dentro do contexto neoliberal.

No neoliberalismo, a liberdade e igualdade se faz no plano do capital e de maneira individual, ou seja, você mesmo é capaz de ter sua liberdade, uma vez que esta é (para o sistema em que vivemos) a possibilidade de “produzir” (trabalhar) e “consumir” (comprar). Dentre do jogo neoliberal, parte-se do pressuposto que, quanto mais produtivo e orgânico aos padrões do sistema o indivíduo se encontrar, maiores são suas chances de garantir sua igualdade e liberdade dentro da sociedade em que vive. É sob esse círculo “gratificante” de produção e consumo que o neoliberalismo espalha a todos os cantos o ideal de inexistência de fronteiras, ou seja de possibilidades de você ser livre. O interessante é que ultrapassar essas fronteiras é igualmente contribuir cada vez mais para o sustento da infra-estrutura (base material) e superestrutura (base cognitiva).

O neoliberalismo desenvolveu o projeto de objetividade da modernidade e assim, objetividade, realidade e racionalidade são três componentes que caminham sempre juntos na vida contemporânea. Esses componentes são legitimados principalmente pela ciência e suas tecnologias. Tudo que está fora dessa perspectiva é alternativo, perigoso, uma vez que é passível de erro. O que chega a hora de nos atentarmos é que essa concepção de objetividade como totalidade para a solução dos problemas contemporâneos se assemelha em grande medida a uma ideologia das classes dominantes. Esse tipo de objetividade, componente principal do fluxo de informações e de suas escolhas hoje, é base de seu poder. É através dela que as potencialidades do próprio indivíduo são ludibriadas e invertidas. Nessa inversão,o indivíduo contemporâneo, cercado de informações e possibilidades, deve sempre manter-se flexível, pronto para conectar-se a qualquer momento, uma vez que a racionalidade e objetividade de hoje requer isso.

Como já relacionamos anteriormente, e dentro da perspectiva desses autores, podemos evidenciar que ainda é complexo, pra não dizer complicado, o discurso que encara o próprio desenvolvimento capitalista, gerador dessas tecnologias, como articulador de sua própria destruição. O simples desenvolvimento e consequente barateamento e acessibilidade de tais tecnologias não podem ser sozinhos os componentes de tamanha transformação. O que também é interessante observar é que o surgimento, a cada dia, de novas tecnologias e seu barateamento não desvaloriza a capacidade do sistema em manter-se centralizador das informações e sua transmissão. Pelo contrário. Sua distribuição e proliferação desses novos mecanismos é fundamental para embasar as necessidades neoliberais entre um grande número de pessoas, e fazer com que elas compartilhem o mais intensamente possível, as necessidades que lhes são postas. O que o capitalismo foi capaz de perceber é que a partir dessas novas comodidades comunicativas ele poderia atingir as fontes subjetivas, individuais, e assim processar da maneira mais pessoal e identificante possível a engrenagem responsável pelo preenchimento das lacunas do sistema. Estimula-se assim, sob perspectiva diferente, um mesmo metabolismo.

Sim, essa pode ser uma visão pessimista, no entanto, tais observações não se encontram fora do plano da realidade.

Já que todo esse papo se dá sobre o plano da comunicação em nossos dias, chamo Gramsci (séc XIX) pra conversar.

O autor que se inspira em marx, discorreu muito sobre a dimensão da comunicação e linguagem e sua influência para a construção de uma, poderíamos dizer, hegemonia alternativa ao modelo que reproduzimos agora. Logo no ínicio do século XX, Gramsci foi visionário e ao meu entender, ajuda-nos sim, no plano de agora, a compreender qual seria e como se daria a as dimensões, limites e influências da comunicação em nossos dias atolados de informação.

Nessa mesma orientação e observando os canais comunicativos que temos hoje, o autor nos dá base para pensarmos sobre qual seria a influência dessas novas mídias na formação do senso de realidade das pessoas de hoje. Seria a imponência da realidade “objetiva” do sistema preservada ou essas novas tecnologias nos supreenderiam com a distribuição de novas concepções a respeito do homem e o meio em que vive?

Estabelecendo esse paralelo, percebemos que as TICS, uma vez trabalhando no campo da comunicação, (que para Gramsci é a dimensão fundamental, ou seja, é onde se é capaz de organizar e dar suporte a uma nova consciência/cultura) podem ser mecanismos essenciais para a proliferação e compartilhamento de ideias alternativas que compartilhadas poderiam desencadear ações que podem nos trazer visões para além do capital.

Chegamos ao ponto. Gramsci, pelas suas contribuições a respeito da importância da esfera da comunicação nas mudanças de consciência, e Meszáros, por demonstrar a nossa real necessidade de transição para outro modelo de reprodução social, nos permitem ousar dizer que hoje a principal, se não primeira responsabilidade da “esquerda” contemporânea (se esse ainda for seu nome) é sair da ótica de outrora, na qual se baseava em irrestritamente tripudiar o capitalismo sem a construção de propostas concretas no plano do indivíduo, que cada vez mais se exacerbava em sociedade. Sendo assim, sua importância máxima como “frente reflexiva” hoje estaria mais atrelada a sua competência em desmistificar as concepções “objetivas” construídas pelo capitalismo até então, do que recompor ideários e agendas socialistas de outras épocas. Essa desmistificação tem seu desenvolvimento a partir do plano da comunicação, pois uma vez estando articulado com a dimensão política e cultural, é capaz de ser o canal para o compartilhamento de novas idéias, modelos e perspectivas que não este que temos agora.

As TICS são neutras. Não vieram para salvar, muito menos para conectar o homem ao homem. Este próprio deve por sua conta, no plano real, desenvolver essa conexão. Elas contribuem apenas na arena de jogo, como instrumentos capazes de nos evidenciar noções diversificadas e desmanchar visões reacionárias em ampla escala, no entanto, não dialogam ou proliferam experiências por si só. Portanto, fica aqui a provocação. Não caberia a nós, indivíduos da geração onde tudo se dá por satélite, mídia-livristas, self-mídias, esquerdistas desconsolados, todos sempre muito acostumados a debater sobre a revolução do homem de hoje, compartilhar cada vez mais e com perspicácia, através desses mecanismos, panoramas que estimulassem a vontade pela construção de uma nova consciência em ampla escala, sem que esta se constitua como doutrina, mas que seja capaz de comportar o toque universal dentro de cada indivíduo, ao invés de simplesmente usar tais artefatos para nos manter conectados ao que o sistema exige, ou seja, distribuição da produção e consumo, que por mais que nos dias de hoje apresentem formas variadas,  ainda sim preservam o mesmo metabolismo?

Sobre Grupo Tamboril

O Grupo Tamboril de Arte Independente é composto por artistas, comunicadores e divulgadores culturais. Por isso, o Grupo guarda como objetivo desenvolver o intercâmbio entre as ações culturais conscientes do papel da atividade artística nos dias de hoje para que assim seja ampliada a cadeia produtiva da cultura a partir das subseqüentes trocas de tecnologia social evidenciadas nesse processo. Desde as primeiras ações em 2007, na Universidade Federal de Uberlândia, o grupo ressalta a necessidade da criação de público para os artistas universitários, assim como para a perspectiva das ações de sustentabilidade econômica e social dentro do contexto em que vivemos. Assim, o Tamboril divulga os artistas não só da Universidade, mas tem como intuito divulgar e instigar a discussão sobre a proliferação de cultura independente e das iniciativas de autogestão dentro do país de maneira geral. Vislumbra-se aqui, o fato de que iniciativas culturais independentes contribuem em muito para estimular o reconhecimento das práticas econômicas criativas que se desenvolvem não só dentro da cultura, mas em meio a nossa contemporânea plataforma de organização social. Dessa forma, como mecanismos práticos, o Tamboril executa divulgações audiovisuais e virtuais, oficinas de capacitação, grupos de discussão, articulando a isso, exibições plásticas, teatrais e musicais e eventos culturais de maneira multidisciplinar. São esses os instrumentos usados pelo grupo a fim de incitar e divulgar o atrelamento que existe entre Cultura, Sustentabilidade e Desenvolvimento. Suas ações se dão dentro da Universidade Federal de Uberlândia e também fora do campus, em parceria com demais agentes e produtores envolvidos com a cena da cultura nacional e com questões atuais de sustentabilidade.
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